Servidores municipais de Santa Catarina são vítimas da Covid-19

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Na linha de frente do enfrentamento à Covid-19, servidores públicos municipais sofrem com o descaso dos gestores públicos

O mundo vive novamente a experiência de uma pandemia, mas agora em outro nível de acúmulo tecnológico. As informações circulam aceleradamente e entram em contraste com as ações institucionais para conter a Covid-19. No Brasil, as medidas para aplacar os efeitos da pandemia são limitadas, consequência de uma política nacional desarticulada. O contexto é o reflexo da desinformação e do negacionismo, o que acarreta em soluções locais que não respondem às necessidades exigidas pela situação.

O campo do trabalho é afetado drasticamente por esse pano de fundo. Ainda em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a Covid como acidente de trabalho. A discussão tem sido objeto de divergências, contudo, recente decisão da Justiça do Trabalho de Minas Gerais que reconheceu como acidente de trabalho a morte por Covid-19 do motorista de uma transportadora, é um exemplo desse entendimento que abre precedentes para reforçar o quanto as relações de trabalho, durante a pandemia, forçam os trabalhadores a situações de risco, adoecimento e morte.

Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), tanto a Covid-19 como o transtorno de estresse pós-traumático, reflexo da exposição à doença, podem ser considerados adoecimentos ocupacionais. O órgão ainda preconiza que os trabalhadores acometidos pela covid devem ser assistidos pelos direitos trabalhistas. Familiares dependentes da pessoa que morreu, por conta da covid contraída no âmbito laboral, também têm direito às compensações indenizatórias e outros benefícios previstos por lei.

Esse reconhecimento vai ao encontro do que a classe trabalhadora brasileira vem vivenciando nesse um ano de pandemia: além das milhares de mortes, o cotidiano de medo e adoecimento emocional é a tônica no mundo do trabalho.

É o que destaca a Secretária de Política de Saúde da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Santa Catarina (Fetram-SC), Graziele Justino. Segundo a psicóloga, servidora do município de São José, a falta de condições de trabalho, a pressão diária por conta risco de vida, assim como o desmonte das políticas públicas e a falta de valorização dos servidores públicos são fatores que acarretam diretamente a saúde dos trabalhadores das prefeituras municipais.

“Os trabalhadores têm observado seus colegas ficando doentes e muitos vindo a óbito pela Covid-19. Sabemos que diariamente os profissionais estão expostos a serviços com grande circulação de pessoas e as prefeituras não têm fornecido EPIs de qualidade ou em quantidade adequada. Por vezes, não tem sido respeitado, nos ambientes de trabalho, o distanciamento social e as estruturas nem sempre têm ventilação adequada, todos fatores que potencializam o risco ainda mais”, desabafa.

Segundo um levantamento da Fetram-SC, com dados coletados a partir do contato com 11 sindicatos de servidores municipais, alguns deles representantes de trabalhadores de mais de um município, 46 servidores foram a óbito. O número dá uma pequena amostra da exposição à Covid-19 pelos servidores públicos municipais em Santa Catarina, embora, não reflita dados oficiais registrados pelas prefeituras municipais, fato também questionado pela Fetram. 

“Há falta de transparência dos municípios sobre dados de infecção por Covid-19 entre os servidores municipais. Mas, estatisticamente, tivemos no Brasil diversos casos de infecção e óbitos entre servidores da saúde, assistência social, segurança pública e agora educação”, argumenta Justino.

A entidade questiona também a ação das prefeituras para garantir a segurança e a saúde dos seus trabalhadores. “Estamos trabalhando em locais sem distanciamento social, sem ventilação, muitas vezes com EPIs inadequados ou em pouca quantidade. Não é garantido o trabalho em regime de home office para quem é grupo de risco e nem sempre há materiais de higienização. A Fetram-SC tem lutado por melhores condições de trabalho, divulgando e orientando aos trabalhadores que assinem a Certidão de Acidente de Trabalho (CAT), em caso de infecção por Covid-19”, afirma.  

Santa Catarina soma mais de 13 mil mortes por conta da Covid e tem 800 mil casos confirmados. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o estado foi um dos piores do país, até aqui, na adoção de medidas de controle da pandemia. Com medidas de liberação de serviços e pouca fiscalização, no auge do número de casos e filas de espera por vagas em UTI, o governador liberou o retorno das aulas presenciais, ignorando pesquisas científicas que falam do risco de contaminação da Covid-19 dentro de salas de aula.

A preocupação agora é a situação dos servidores públicos com o retorno às aulas presenciais nas redes municipais de educação. Para o professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Fabrício Augusto Menegon, não é possível medir quantitativamente o efeito do retorno das aulas presenciais, porque não há monitoramento, mas é possível fazer alguns prognósticos.

“As escolas, da forma como estão hoje e a dinâmica da pandemia, não são ambientes totalmente seguros para permanência das pessoas. O retorno não obedeceu critérios epidemiológicos, mas sim de outras ordens. O único movimento objetivo foi a criação de um documento que aceita qualquer coisa e é avaliado por um comitê que tinha interesse de fazer as escolas voltarem. Não temos como atribuir o aumento de infecções da covid ao retorno das escolas. Mas, quando há a liberação de uma atividade que tem aumento na circulação de pessoas, isso reflete no número de casos”, aponta.

Menegon também acredita que o poder público falhou no monitoramento dos casos ativos e contatos, o que torna irresponsável a retomada de atividades. “Nós não temos mudança de cenário e o estado nunca esteve devidamente preparado para esta retomada. Passamos por três ondas de casos e nunca retomamos a plataforma inicial, nos mantemos em patamares elevados, o que indica que o vírus ainda está em grande circulação”.

As entidades sindicais dos servidores municipais lutam pela vacinação para todos, pressionando os governos das três esferas para que isso aconteça o mais rápido possível, segundo Justino. “Lutamos também pela renda mínima para a população, visto que nós servidores públicos lidamos com as mazelas da fome e da miséria e assistimos ao desmonte do serviço público que atende a parcela da população mais vulnerável”.

O que preconiza a OIT

O órgão internacional orienta a garantia de todas as medidas de prevenção e proteção possíveis para reduzir ao mínimo os riscos ocupacionais. O empregador tem a responsabilidade de fornecer os equipamentos de proteção necessários, informações e treinamento apropriado para o enfrentamento das condições de trabalho colocadas com a pandemia de Covid-19.

A OIT também afirma que é direito de todo trabalhador se retirar de uma situação laboral quando julgar haver riscos graves à sua vida ou à sua saúde, protegidos das consequências indevidas por conta da sua atitude. O que é presente em situações, durante o período de crise sanitária, em que não são garantidas as medidas de segurança para o exercício do trabalho, sobretudo aquele que exige contato social.

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